“Sou contratado pelo estabelecimento de ensino em que trabalho como ‘instrutor’/‘orientador’/‘tutor’/ etc. Não possuo registro no Ministério da Educação (MEC), mas sou formado em nível superior. No meu dia a dia, exerço as mesmas atividades que os professores exercem, porém o meu salário e os meus benefícios são diferentes”
Neste texto, veremos que se o trabalhador efetivamente
realiza atividades típicas de
professor e está habilitado a exercer a profissão deve ser enquadrado
na categoria diferenciada de “professor”, independentemente do nome que o
estabelecimento de ensino dá ao cargo ou do docente estar registrado no Ministério da
Educação (MEC).
São os fatos de o profissional (i) ter formação
em nível médio (magistério) ou superior (curso de licenciatura em graduação
plena ou pós-graduação, preferencialmente mestrado ou doutorado) e (ii) exercer
atividades docentes (ministrar aulas, corrigir provas, fazer chamada, sanar
dúvidas, ir em reuniões de pais e alunos, etc.) que o caracterizam como
“professor”, para todos os efeitos legais.
CONCEITO
LEGAL DE PROFESSOR
A legislação
trabalhista não especificou o conceito legal de “professor”. Por
isso, cabe à doutrina, à jurisprudência e aos intérpretes em geral defini-lo.
A Lei nº 9.494/96 (Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional – LDB) se aplica à educação escolar desenvolvida,
predominantemente, por meio do ensino em instituições próprias (art. 1º, §1º,
da LDB).
Somente alguns profissionais da educação são
considerados “professores” para fins da legislação educacional (LDB): aqueles
que lecionam no âmbito da educação formal básica e superior. Neste diapasão, para a lei em comento aqueles professores que trabalham em programas ou em instituições de educação não formais não integram, para todos os efeitos, o sistema de ensino brasileiro.
Não quer com isto afirmar-se que quem atua,
por exemplo, em cursos livres, em instituições religiosas, em movimentos
sociais ou em organizações da sociedade civil não é considerado “professor”. Muito
pelo contrário: este profissional é professor, mas em sentido amplo. Isto
porque não se lhe aplicam as disposições previstas na LDB, tal como a
necessidade de formação em nível superior em curso de licenciatura em graduação
plena.
Desta maneira, um professor de música, caso
queira lecionar em um curso livre de música, não necessita ser bacharel e
licenciado em música por uma instituição de ensino de nível superior
reconhecida pelo MEC. Porém, se este mesmo professor de música quiser lecionar em
uma escola estadual brasileira deverá possuir o título de licenciado na sua área (no nosso exemplo, música), oriundo de universidade reconhecida nacionalmente
pelo MEC.
Portanto, é possível concluir que, para fins
da legislação educacional (LDB),
existem duas categorias de professores: (i) os professores em “sentido estrito”, que, por trabalharem no sistema formal de ensino, têm sua atuação
pautada por lei específica e (ii) os professores
em “sentido amplo”, que atuam em sistemas
educacionais paralelos ao formal e, por isto, não necessitam observar os
preceitos legais.
Agora, resta saber se as disposições
previstas na CLT (arts. 317 a 323) a
respeito dos professores concernem somente aos professores inseridos no sistema
formal de educação brasileiro regido pela LDB (“professores em sentido estrito”)
ou a todos os professores (“professores em sentido amplo”).
Os artigos 317 a 323 disciplinam o exercício
profissional dos professores de maneira geral, sem remeter a nenhum tipo de legislação específica, como a LDB, por
exemplo.
Quer isto dizer que o legislador trabalhista não limitou a aplicação das normas celetistas
a determinados “tipos” de professores, como o professor que desempenha suas
funções na seara da educação formal ou o professor atuante nos sistemas de
ensino não formais.
Neste ponto, é interessante aclarar que no
Direito existe uma máxima segunda a qual não cabe ao interprete restringir direitos os quais a lei não restringe
(“ubi lex non distinguit nec noc distinguere debemus”), isto é, "onde a lei não
distingue não pode o interprete distinguir".
Por conseguinte, uma vez que a CLT preceituou
suas normas de forma ampla, sem demarcações evidentes, deve o intérprete do
Direito aplicá-las indistintamente a todos os casos amoldáveis à hipótese
abstratamente prevista em lei.
Em síntese, as normas da CLT pertinentes aos
professores devem ser aplicadas a todos os docentes, quer estejam eles ou não
inseridos no sistema formal de ensino a que se refere a LDB.
Assim sendo, todos os direitos e obrigações delineados nas normas celetistas são aplicáveis a todos aqueles que são considerados professores (em sentido 'amplo' e em sentido 'estrito').
Assim sendo, todos os direitos e obrigações delineados nas normas celetistas são aplicáveis a todos aqueles que são considerados professores (em sentido 'amplo' e em sentido 'estrito').
A posição aqui adotada – a de que os profissionais que lecionam tanto na educação formal quanto
na informal são todos professores para fins trabalhistas – é também a
posição da i. professora Alice Monteiro de Barros, que, em seu artigo
denominado “O trabalho do professor: peculiaridades e controvérsias”, defende
que “entendemos como professor o
profissional, habilitado ou autorizado, que, através das atividades inerentes
ao magistério, forma as gerações do país, propiciando-lhes a educação básica e
superior, ou complementando-lhes a formação em curso de especialização,
técnico, preparatório ou profissionalizante, realizados em estabelecimento de ensino
público, particular, livre ou ainda em outro estabelecimento que, embora não
específico, proporcione essa formação”.
Ao arremate, esclarece-se que este item
cuida, apenas, de analisar se todos os professores têm direito aos benefícios e
garantias previstos nas normas celetistas, e não da discussão relativa ao
enquadramento sindical.
Isto porque o fato de aos professores
atuantes em sistemas de ensino não formais serem aplicáveis as normas da CLT
não significa dizer que se aplicarão a estes profissionais as mesmas convenções
coletivas dos professores do ensino formal, pois isso depende da organização
sindical de cada cidade / região.
CONTRATO
DE TRABALHO X REALIDADE DO TRABALHO
Inicialmente, é necessário explicar que, no
Direito do Trabalho, existe um princípio chamado “Primazia da Realidade”, segundo o qual na relação trabalhista mais
importam os fatos (execução do serviço no dia a dia) do que aquilo que está
escrito no contrato de trabalho.
Por isto, mesmo que o contrato estabeleça o
exercício da função de instrutor/tutor/orientador, se o trabalhador exercer, na
prática, as atividades de professor, ele será considerado, para os efeitos
legais, um professor.
Logo,
segundo este princípio, se houver divergência entre aquilo que está formalizado
no contrato de trabalho e aquilo que o profissional faz na sua rotina de
trabalho, o que predomina é a realidade.
Nestas situações, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, órgão
máximo da Justiça do Trabalho, é pacífica no sentido de que “independentemente
do título sob o qual o profissional foi
contratado professor, instrutor ou técnico, é a realidade do contrato
de trabalho que define a função de magistério e, por consequência, a categoria
diferenciada de docente” (TST, ERR70000-54.2008.5.15.0114,
Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, DEJT: 28/10/2011).
Mais recentemente o Tribunal Superior do Trabalho confirmou o entendimento acima
exposto, afirmando que “a jurisprudência mais atual desta Corte firmou-se no
sentido de que é o ‘contrato realidade’ que define a condição profissional do
empregado como professor, independentemente da nomenclatura utilizada para a
contratação (Precedente da SBDI-1). (...) Aplicação do princípio da primazia da
realidade.” (TST, AIRR 1084-06.2013.5.10.0801, Rel. Min. Cláudio
Mascarenhas Brandão, 7ª Turma, DEJT: 22/03/2016).
Em outras palavras: em harmonia com a orientação da Justiça do Trabalho, pode-se dizer que não é o “contrato formal”,
mas sim o “contrato realidade” que define se o profissional é ou não é um
professor, a depender das atividades por ele exercidas na sua rotina diária.
E uma vez
caracterizada a função de professor, deve-se aplicar ao trabalhador as normas celetistas
de sua categoria, sendo-lhe devidos todos os valores e os direitos daí
decorrentes.
REGISTRO
NO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (MEC)
Alguns empregadores registram seus empregados
como “instrutores”, e não como “professores”, alegando que os trabalhadores não
possuem registro profissional no Ministério da Educação (MEC), nos termos do
artigo 317 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Contudo, esta exigência de registro no MEC já
está há muito superada e, conforme veremos abaixo, independentemente de registro no órgão profissional (MEC) ou não, o professor tem direito a ser registrado como tal.
Este é o teor do artigo 317 da CLT, cuja
redação foi dada pela Lei nº 7.855/89:
“O
exercício remunerado do magistério, em estabelecimentos particulares de ensino,
exigirá apenas habilitação legal
e registro no Ministério da Educação”.
Da leitura inicial deste artigo, conclui-se
que há duas exigências para o exercício do magistério: (i) a habilitação legal
e (ii) o registro no MEC.
Como visto, este artigo teve sua redação
alterada por uma lei editada em 1989.
Ocorre que, em 1996, foi promulgada a Lei nº
9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB), que trouxe
várias mudanças relativas à questão educacional.
Dentre
estas alterações, destaca-se a prevista no artigo 92 da LDB, responsável por
revogar integralmente a Lei n° 5.692/71, incluindo o artigo 40, segundo o qual
era condição para o exercício do magistério o registro profissional no
Ministério da Educação e Cultura.
Corroborando esta disposição da LDB, a
Portaria MEC nº 524/98 expressamente revogou a expedição do registro, vejamos
abaixo:
“Portaria
MEC n.º 524, de 12 de junho de 1998 - Suspende, mediante
revogação da Portaria n.º 399/89, a expedição de registro profissional a
professores e especialistas em educação
O
MINISTRO DE ESTADO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO, no uso das suas atribuições
legais. Resolve:
Art.
1.º Fica revogada a Portaria n.º 399, de 28 de junho de 1989, publicada no
Diário Oficial de 29 de junho de 1989, página 10586, seção I.
Art.
2.º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
Diário
Oficial, Brasília, 18-06-98, Seção 1, p. 3. PAULO RENATO SOUZA”
Algumas decisões da Justiça do Trabalho, muitas
vezes, de forma equivocada, sustentaram a tese de que o registro profissional
no MEC ainda é requisito essencial previsto no artigo 317 da CLT, simplesmente
ignorando o fato do registro ter deixado de existir a partir da publicação da Portaria
MEC n.º 524, de 12 de junho de 1998.
Outras decisões, embora não tratem da
revogação da Lei n° 5.692/71, prestigiam o princípio da primazia da realidade
em prol do enquadramento profissional do professor. A propósito, vejamos alguns
julgados do Tribunal Superior do Trabalho que corroboram este entendimento
(grifos nossos):
“AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA EM FACE
DE DECISÃO PUBLICADA ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. INSTRUTORES
DO DENOMINADO "SISTEMA S". ENQUADRAMENTO SINDICAL. PROFESSOR. ARTIGO
317 DA CLT. PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE. O
Tribunal Regional manteve a sentença que reconheceu que o sindicato-autor
(Sindicato dos Trabalhadores nas Escolas Particulares de Palmas e Região -
SINTEPPAR) representa a categoria de professores que laboram para a Federação
Nacional de Cultura (FENAC), bem assim declarou, quanto à mencionada categoria
diferenciada, a ineficácia dos acordos coletivos firmados pelo sindicato-réu
com a FENAC. Com efeito, após algumas
oscilações, a jurisprudência mais recente desta Corte firmou-se no sentido de
que é o "contrato realidade" que define a condição profissional do
empregado como professor, independentemente da nomenclatura utilizada para a
contratação (Precedente da SBDI-1). Ademais, já é pacífico que eventual
desatenção aos requisitos constantes do artigo 317 da CLT (habilitação legal e
registro no Ministério da Educação) não obsta o enquadramento do empregado como
professor. Isso porque referido preceito legal dirige-se aos estabelecimentos
de ensino e contempla mera exigência formal para o exercício da profissão.
Aplicação do princípio da primazia da realidade. Agravo de instrumento
a que se nega provimento.” (AIRR
- 1084-06.2013.5.10.0801, julgado em: 16/03/2016, Rel. Min.: Cláudio Mascarenhas Brandão, 7ª Turma, DEJT 22/03/2016).
"RECURSO DE REVISTA. PROFESSOR. ART. 317
DA CLT. INSTRUTOR DE ENSINO. ESTABELECIMENTO DE EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL. ATIVIDADES TIPICAMENTE DOCENTES 1. A norma insculpida no
art. 317 da CLT, de natureza meramente formal, dirige-se aos estabelecimentos
particulares de ensino, que deverão exigir de seu corpo docente habilitação
legal e registro no Ministério da Educação. Daí não se segue, contudo,
qualquer óbice ao reconhecimento da condição de professor, para efeito de
percepção de parcelas trabalhistas próprias dessa categoria profissional, aos
empregados -- instrutores de ensino profissionalizante -- exercentes de funções
tipicamente docentes. 2. Para o Direito do Trabalho, afigura-se imprescindível
ao reconhecimento do exercício de atividade profissional
de professor o real desempenho do ofício de ministrar aulas, em
qualquer área do conhecimento humano, em estabelecimento em que se realiza
alguma sistematização de ensino. Aplicação do princípio da primazia da
realidade. Precedente da SbDI-1. 3. Recurso de revista de que se
conhece, no aspecto, por divergência jurisprudencial, e a que se nega
provimento." (RR - 46300-68.2012.5.17.0012 , Relator Ministro: João Oreste
Dalazen, Data de Julgamento: 20/08/2014, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT
29/08/2014);
“RECURSO
DE EMBARGOS. PROFESSORA. CONTRATAÇÃO
COMO TÉCNICA DE ENSINO. PRIMAZIA DA REALIDADE: PRIMADO DA SUBSTÂNCIA SOBRE A
FORMA. OBSERVÂNCIA DA LEALDADE E DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ NA EXECUÇÃO E
INTERPRETAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. Independentemente
do título sob o qual o profissional foi contratado - professor, instrutor,
técnico - é a realidade do contrato de trabalho que define a função de
magistério e, por consequência, a categoria diferenciada de docente. É
sabido que o contrato de trabalho é um contrato realidade e, portanto, é a execução cotidiana das funções,
objetivamente realizadas, durante o curso da relação de trabalho que determina
qual a função exercida pelo empregado(e que determina a realidade do contrato),
conforme disposto no já mencionado artigo 3º consolidado. Sendo assim, em
havendo divergência entre o trabalho realizado pelo empregado e a dos termos
firmados no contrato de trabalho, prevalece o primado da realidade sobre o
pactuado. A regra é corolário da realidade que permeia o contrato de trabalho
em sua execução, ou seja, do primado da substância sobre a forma. Ademais, o
artigo 422 do Código Civil trata do princípio da boa-fé na celebração dos
contratos, de aplicação analógica ao caso em tela. O dispositivo versa sobre a
boa-fé, não subjetiva, como a que cuidava o Código Civil de 1916, mas objetiva
que impõe aos contratantes, e a todos aqueles que realizam ou participam do
negócio jurídico, o dever de honestidade e lealdade que deve permear as
relações sociais e jurídicas, respeitadas a confiança e a probidade no agir dos
sujeitos de direito. Esse princípio, a partir da promulgação do novo Código
Civil, é de observância obrigatória não apenas nas interpretações do Direito
Civil, mas em todas as relações jurídico-contratuais. Assim sendo, correta a decisão da c. Turma que entendeu por manter o
enquadramento da autora, que ensinava inglês, como professora. Embargos
conhecidos e desprovidos”. (E-RR - 70000-54.2008.5.15.0114 , Relator Ministro:
Aloysio Corrêa da Veiga, Data de Julgamento: 18/10/2011, Subseção I
Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 28/10/2011).
Portanto, quer seja em observância à legislação
educacional (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e a Portaria MEC nº
524/98), quer seja em observância à jurisprudência do órgão máximo da Justiça
do Trabalho, o Tribunal Superior do Trabalho, é pacífico que é INEXIGÍVEL o
registro no MEC para que o professor possa exercer a docência, basta a sua
formação em nível superior em curso de licenciatura (educação básica) ou em
nível de pós-graduação (educação superior).