quarta-feira, 30 de março de 2016

SOU PROFESSOR, MAS FUI CONTRATADO COMO "INSTRUTOR/ORIENTADOR/TUTOR". E AGORA ?



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Sou contratado pelo estabelecimento de ensino em que trabalho como ‘instrutor’/‘orientador’/‘tutor’/ etc. Não possuo registro no Ministério da Educação (MEC), mas sou formado em nível superior. No meu dia a dia, exerço as mesmas atividades que os professores exercem, porém o meu salário e os meus benefícios são diferentes”


Neste texto, veremos que se o trabalhador efetivamente realiza atividades típicas de professor e está habilitado a exercer a profissão deve ser enquadrado na categoria diferenciada de “professor”, independentemente do nome que o estabelecimento de ensino dá ao cargo ou do docente estar registrado no Ministério da Educação (MEC).

São os fatos de o profissional (i) ter formação em nível médio (magistério) ou superior (curso de licenciatura em graduação plena ou pós-graduação, preferencialmente mestrado ou doutorado) e (ii) exercer atividades docentes (ministrar aulas, corrigir provas, fazer chamada, sanar dúvidas, ir em reuniões de pais e alunos, etc.) que o caracterizam como “professor”, para todos os efeitos legais.


CONCEITO LEGAL DE PROFESSOR


A legislação trabalhista não especificou o conceito legal de “professor”. Por isso, cabe à doutrina, à jurisprudência e aos intérpretes em geral defini-lo.

A Lei nº 9.494/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB) se aplica à educação escolar desenvolvida, predominantemente, por meio do ensino em instituições próprias (art. 1º, §1º, da LDB).

Somente alguns profissionais da educação são considerados “professores” para fins da legislação educacional (LDB): aqueles que lecionam no âmbito da educação formal básica e superior. Neste diapasão, para a lei em comento aqueles professores que trabalham em programas ou em instituições de educação não formais não integram, para todos os efeitos, o sistema de ensino brasileiro.

Não quer com isto afirmar-se que quem atua, por exemplo, em cursos livres, em instituições religiosas, em movimentos sociais ou em organizações da sociedade civil não é considerado “professor”. Muito pelo contrário: este profissional é professor, mas em sentido amplo. Isto porque não se lhe aplicam as disposições previstas na LDB, tal como a necessidade de formação em nível superior em curso de licenciatura em graduação plena.

Desta maneira, um professor de música, caso queira lecionar em um curso livre de música, não necessita ser bacharel e licenciado em música por uma instituição de ensino de nível superior reconhecida pelo MEC. Porém, se este mesmo professor de música quiser lecionar em uma escola estadual brasileira deverá possuir o título de licenciado na sua área (no nosso exemplo, música), oriundo de universidade reconhecida nacionalmente pelo MEC.

Portanto, é possível concluir que, para fins da legislação educacional (LDB), existem duas categorias de professores: (i) os professores em “sentido estrito”, que, por trabalharem no sistema formal de ensino, têm sua atuação pautada por lei específica e (ii) os professores em “sentido amplo”, que atuam em sistemas educacionais paralelos ao formal e, por isto, não necessitam observar os preceitos legais.

Agora, resta saber se as disposições previstas na CLT (arts. 317 a 323) a respeito dos professores concernem somente aos professores inseridos no sistema formal de educação brasileiro regido pela LDB (“professores em sentido estrito”) ou a todos os professores (“professores em sentido amplo”).

Os artigos 317 a 323 disciplinam o exercício profissional dos professores de maneira geral, sem remeter a nenhum tipo de legislação específica, como a LDB, por exemplo.

Quer isto dizer que o legislador trabalhista não limitou a aplicação das normas celetistas a determinados “tipos” de professores, como o professor que desempenha suas funções na seara da educação formal ou o professor atuante nos sistemas de ensino não formais.

Neste ponto, é interessante aclarar que no Direito existe uma máxima segunda a qual não cabe ao interprete restringir direitos os quais a lei não restringe (“ubi lex non distinguit nec noc distinguere debemus”), isto é, "onde a lei não distingue não pode o interprete distinguir".

Por conseguinte, uma vez que a CLT preceituou suas normas de forma ampla, sem demarcações evidentes, deve o intérprete do Direito aplicá-las indistintamente a todos os casos amoldáveis à hipótese abstratamente prevista em lei.

Em síntese, as normas da CLT pertinentes aos professores devem ser aplicadas a todos os docentes, quer estejam eles ou não inseridos no sistema formal de ensino a que se refere a LDB

Assim sendo, todos os direitos e obrigações delineados nas normas celetistas são aplicáveis a todos aqueles que são considerados professores (em sentido 'amplo' e em sentido 'estrito').

A posição aqui adotada – a de que os profissionais que lecionam tanto na educação formal quanto na informal são todos professores para fins trabalhistas – é também a posição da i. professora Alice Monteiro de Barros, que, em seu artigo denominado “O trabalho do professor: peculiaridades e controvérsias”, defende que “entendemos como professor o profissional, habilitado ou autorizado, que, através das atividades inerentes ao magistério, forma as gerações do país, propiciando-lhes a educação básica e superior, ou complementando-lhes a formação em curso de especialização, técnico, preparatório ou profissionalizante, realizados em estabelecimento de ensino público, particular, livre ou ainda em outro estabelecimento que, embora não específico, proporcione essa formação”.

Ao arremate, esclarece-se que este item cuida, apenas, de analisar se todos os professores têm direito aos benefícios e garantias previstos nas normas celetistas, e não da discussão relativa ao enquadramento sindical.

Isto porque o fato de aos professores atuantes em sistemas de ensino não formais serem aplicáveis as normas da CLT não significa dizer que se aplicarão a estes profissionais as mesmas convenções coletivas dos professores do ensino formal, pois isso depende da organização sindical de cada cidade / região.





CONTRATO DE TRABALHO X REALIDADE DO TRABALHO


Inicialmente, é necessário explicar que, no Direito do Trabalho, existe um princípio chamado “Primazia da Realidade”, segundo o qual na relação trabalhista mais importam os fatos (execução do serviço no dia a dia) do que aquilo que está escrito no contrato de trabalho.

Por isto, mesmo que o contrato estabeleça o exercício da função de instrutor/tutor/orientador, se o trabalhador exercer, na prática, as atividades de professor, ele será considerado, para os efeitos legais, um professor.

Logo, segundo este princípio, se houver divergência entre aquilo que está formalizado no contrato de trabalho e aquilo que o profissional faz na sua rotina de trabalho, o que predomina é a realidade.

Nestas situações, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, órgão máximo da Justiça do Trabalho, é pacífica no sentido de que “independentemente do título sob o qual o profissional foi contratado professor, instrutor ou técnico, é a realidade do contrato de trabalho que define a função de magistério e, por consequência, a categoria diferenciada de docente” (TST, ERR70000-54.2008.5.15.0114, Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, DEJT: 28/10/2011).

Mais recentemente o Tribunal Superior do Trabalho confirmou o entendimento acima exposto, afirmando que “a jurisprudência mais atual desta Corte firmou-se no sentido de que é o ‘contrato realidade’ que define a condição profissional do empregado como professor, independentemente da nomenclatura utilizada para a contratação (Precedente da SBDI-1). (...) Aplicação do princípio da primazia da realidade.” (TST, AIRR 1084-06.2013.5.10.0801, Rel. Min. Cláudio Mascarenhas Brandão, 7ª Turma,  DEJT: 22/03/2016).

Em outras palavras: em harmonia com a orientação da Justiça do Trabalho, pode-se dizer que não é o “contrato formal”, mas sim o “contrato realidade” que define se o profissional é ou não é um professor, a depender das atividades por ele exercidas na sua rotina diária.

E uma vez caracterizada a função de professor, deve-se aplicar ao trabalhador as normas celetistas de sua categoria, sendo-lhe devidos todos os valores e os direitos daí decorrentes.





REGISTRO NO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (MEC)


Alguns empregadores registram seus empregados como “instrutores”, e não como “professores”, alegando que os trabalhadores não possuem registro profissional no Ministério da Educação (MEC), nos termos do artigo 317 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Contudo, esta exigência de registro no MEC já está há muito superada e, conforme veremos abaixo, independentemente de registro no órgão profissional (MEC) ou não, o professor tem direito a ser registrado como tal. 

Este é o teor do artigo 317 da CLT, cuja redação foi dada pela Lei nº 7.855/89:

“O exercício remunerado do magistério, em estabelecimentos particulares de ensino, exigirá apenas habilitação legal e registro no Ministério da Educação”.

Da leitura inicial deste artigo, conclui-se que há duas exigências para o exercício do magistério: (i) a habilitação legal e (ii) o registro no MEC.

Como visto, este artigo teve sua redação alterada por uma lei editada em 1989.

Ocorre que, em 1996, foi promulgada a Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB), que trouxe várias mudanças relativas à questão educacional.

Dentre estas alterações, destaca-se a prevista no artigo 92 da LDB, responsável por revogar integralmente a Lei n° 5.692/71, incluindo o artigo 40, segundo o qual era condição para o exercício do magistério o registro profissional no Ministério da Educação e Cultura.

Corroborando esta disposição da LDB, a Portaria MEC nº 524/98 expressamente revogou a expedição do registro, vejamos abaixo:


“Portaria MEC n.º 524, de 12 de junho de 1998 - Suspende, mediante revogação da Portaria n.º 399/89, a expedição de registro profissional a professores e especialistas em educação
O MINISTRO DE ESTADO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO, no uso das suas atribuições legais. Resolve:

Art. 1.º Fica revogada a Portaria n.º 399, de 28 de junho de 1989, publicada no Diário Oficial de 29 de junho de 1989, página 10586, seção I.
Art. 2.º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
Diário Oficial, Brasília, 18-06-98, Seção 1, p. 3. PAULO RENATO SOUZA”


Algumas decisões da Justiça do Trabalho, muitas vezes, de forma equivocada, sustentaram a tese de que o registro profissional no MEC ainda é requisito essencial previsto no artigo 317 da CLT, simplesmente ignorando o fato do registro ter deixado de existir a partir da publicação da Portaria MEC n.º 524, de 12 de junho de 1998.

Outras decisões, embora não tratem da revogação da Lei n° 5.692/71, prestigiam o princípio da primazia da realidade em prol do enquadramento profissional do professor. A propósito, vejamos alguns julgados do Tribunal Superior do Trabalho que corroboram este entendimento (grifos nossos):


AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. INSTRUTORES DO DENOMINADO "SISTEMA S". ENQUADRAMENTO SINDICAL. PROFESSOR. ARTIGO 317 DA CLT. PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE. O Tribunal Regional manteve a sentença que reconheceu que o sindicato-autor (Sindicato dos Trabalhadores nas Escolas Particulares de Palmas e Região - SINTEPPAR) representa a categoria de professores que laboram para a Federação Nacional de Cultura (FENAC), bem assim declarou, quanto à mencionada categoria diferenciada, a ineficácia dos acordos coletivos firmados pelo sindicato-réu com a FENAC. Com efeito, após algumas oscilações, a jurisprudência mais recente desta Corte firmou-se no sentido de que é o "contrato realidade" que define a condição profissional do empregado como professor, independentemente da nomenclatura utilizada para a contratação (Precedente da SBDI-1). Ademais, já é pacífico que eventual desatenção aos requisitos constantes do artigo 317 da CLT (habilitação legal e registro no Ministério da Educação) não obsta o enquadramento do empregado como professor. Isso porque referido preceito legal dirige-se aos estabelecimentos de ensino e contempla mera exigência formal para o exercício da profissão. Aplicação do princípio da primazia da realidade. Agravo de instrumento a que se nega provimento.” (AIRR - 1084-06.2013.5.10.0801, julgado em: 16/03/2016, Rel. Min.: Cláudio Mascarenhas Brandão, 7ª Turma,  DEJT 22/03/2016).


"RECURSO DE REVISTA. PROFESSOR. ART. 317 DA CLT. INSTRUTOR DE ENSINO. ESTABELECIMENTO DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL. ATIVIDADES TIPICAMENTE DOCENTES 1. A norma insculpida no art. 317 da CLT, de natureza meramente formal, dirige-se aos estabelecimentos particulares de ensino, que deverão exigir de seu corpo docente habilitação legal e registro no Ministério da Educação. Daí não se segue, contudo, qualquer óbice ao reconhecimento da condição de professor, para efeito de percepção de parcelas trabalhistas próprias dessa categoria profissional, aos empregados -- instrutores de ensino profissionalizante -- exercentes de funções tipicamente docentes. 2. Para o Direito do Trabalho, afigura-se imprescindível ao reconhecimento do exercício de atividade profissional de professor o real desempenho do ofício de ministrar aulas, em qualquer área do conhecimento humano, em estabelecimento em que se realiza alguma sistematização de ensino. Aplicação do princípio da primazia da realidade. Precedente da SbDI-1. 3. Recurso de revista de que se conhece, no aspecto, por divergência jurisprudencial, e a que se nega provimento." (RR - 46300-68.2012.5.17.0012 , Relator Ministro: João Oreste Dalazen, Data de Julgamento: 20/08/2014, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 29/08/2014);


“RECURSO DE EMBARGOS. PROFESSORA. CONTRATAÇÃO COMO TÉCNICA DE ENSINO. PRIMAZIA DA REALIDADE: PRIMADO DA SUBSTÂNCIA SOBRE A FORMA. OBSERVÂNCIA DA LEALDADE E DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ NA EXECUÇÃO E INTERPRETAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. Independentemente do título sob o qual o profissional foi contratado - professor, instrutor, técnico - é a realidade do contrato de trabalho que define a função de magistério e, por consequência, a categoria diferenciada de docente. É sabido que o contrato de trabalho é um contrato realidade e, portanto, é a execução cotidiana das funções, objetivamente realizadas, durante o curso da relação de trabalho que determina qual a função exercida pelo empregado(e que determina a realidade do contrato), conforme disposto no já mencionado artigo 3º consolidado. Sendo assim, em havendo divergência entre o trabalho realizado pelo empregado e a dos termos firmados no contrato de trabalho, prevalece o primado da realidade sobre o pactuado. A regra é corolário da realidade que permeia o contrato de trabalho em sua execução, ou seja, do primado da substância sobre a forma. Ademais, o artigo 422 do Código Civil trata do princípio da boa-fé na celebração dos contratos, de aplicação analógica ao caso em tela. O dispositivo versa sobre a boa-fé, não subjetiva, como a que cuidava o Código Civil de 1916, mas objetiva que impõe aos contratantes, e a todos aqueles que realizam ou participam do negócio jurídico, o dever de honestidade e lealdade que deve permear as relações sociais e jurídicas, respeitadas a confiança e a probidade no agir dos sujeitos de direito. Esse princípio, a partir da promulgação do novo Código Civil, é de observância obrigatória não apenas nas interpretações do Direito Civil, mas em todas as relações jurídico-contratuais. Assim sendo, correta a decisão da c. Turma que entendeu por manter o enquadramento da autora, que ensinava inglês, como professora. Embargos conhecidos e desprovidos”. (E-RR - 70000-54.2008.5.15.0114 , Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, Data de Julgamento: 18/10/2011, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 28/10/2011).


Portanto, quer seja em observância à legislação educacional (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e a Portaria MEC nº 524/98), quer seja em observância à jurisprudência do órgão máximo da Justiça do Trabalho, o Tribunal Superior do Trabalho, é pacífico que é INEXIGÍVEL o registro no MEC para que o professor possa exercer a docência, basta a sua formação em nível superior em curso de licenciatura (educação básica) ou em nível de pós-graduação (educação superior).