quinta-feira, 11 de junho de 2020

O empregado demitido por força maior na pandemia do coronavírus (covid-19)


Entenda como ficam as verbas rescisórias, a estabilidade gestante, o FGTS e o Seguro Desemprego.




A MP 927 de 22 de março de 2020 tratou de algumas medidas trabalhistas no período de calamidade pública em decorrência do coronavírus (covid-19). E já no primeiro artigo da medida provisória houve a previsão sobre a possibilidade dos contratos de trabalho serem rescindidos por motivo de força maior.

Art. 1º
Parágrafo único.  O disposto nesta Medida Provisória se aplica durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 2020 e, para fins trabalhistas, constitui hipótese de força maior, nos termos do disposto no art. 501 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.

Sem maiores delongas sobre as consequências econômicas e sociais das medidas restritivas de isolamento social que a doença impôs ao país, muitas empresas não conseguiram sobreviver “de portas fechadas” ao público, especialmente o comércio varejista, o setor hoteleiro e de bares e restaurantes.

Os trabalhadores de tais empresas acabaram sendo desligados, na maior parte das vezes, por motivo de força maior, e sentiram no bolso o que isso representa.

Vamos entender como funciona essa modalidade de rescisão?

O que é Força Maior?

Grosso modo, o Direito Civil considera força maior a atuação humana praticada por terceiros que impossibilita o cumprimento obrigacional e a distingue do caso fortuito, que é normalmente classificado como uma ocorrência natural, sem a intervenção da vontade humana.[i] Pela doutrina, ambos geram o mesmo efeito, ou seja, desoneram o devedor ou flexibilizam as obrigações de uma das partes em uma relação contratual.

A CLT não faz distinções e define como força maior todo acontecimento inevitável, em relação ao qual não houve vontade do empregador, direta ou indiretamente. A legislação trabalhista também diz na ocorrência de imprevidência ou descuido do empregador descaracteriza a força maior.

Também não ocorre força maior para fins trabalhistas o acontecimento que não afetar de forma substancial a condição econômica de financeira do empregador (art. 501, parágrafo segundo da CLT), sendo que tal fato deve ser comprovado pela empresa através de documentos idôneos em sede de ação trabalhista.

Melhor dizendo, não se aplica a redução das multas e indenizações rescisórias se a ocorrência do motivo de força maior não afetar substancialmente a situação econômica e financeira da empresa.

O fato da empresa permanecer temporariamente fechada durante o isolamento social não permite a conclusão automática de que a sua condição econômica e financeira foi substancialmente afetada. Não existe, no nosso entender, presunção legal que favoreça o empregador.

A propósito, existe posicionamento jurisprudencial no sentido que o reconhecimento da força maior pressupõe a extinção da empresa ou da filial onde se ativa o trabalhador, aplicando-se o caput do art. 502 da CLT.[ii]

Se somente ocorre força maior quando ocorrer a extinção da empresa ou da filial onde se ativa o trabalhador, pode-se dizer que o art. 503 que prevê a possibilidade de redução salarial perdeu qualquer efeito prático.

A bem da verdade, embora o artigo 503 da CLT autorize a redução de salários do trabalhador em até 25%, tal dispositivo encontra-se revogado art. 7, VI, da Constituição Federal, pois só se admite redução salarial através acordo ou convenção coletiva, o que pressupõe necessariamente a intervenção do sindicato dos empregados.[iii]


Rescisão pela metade?

Antônio Rodrigues de Freitas Júnior, professor do departamento de Direito do Trabalho da USP, explica que a norma que supostamente permite o pagamento das verbas rescisórias pela metade por motivo de força maior é o artigo 502 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).

No entanto, segundo ele, o artigo trata da indenização dos empregados que têm estabilidade no emprego por tempo de serviço, antes da criação do FGTS. "Essa figura [emprego estável] não existe mais, é um resíduo da CLT. Essa indenização foi substituída, ao longo dos anos, pela multa indenizatória do FGTS. Portanto, a metade autorizada pela figura da força maior, quando pertinente, refere-se à metade dos 40% dos depósitos devidos do FGTS. Ou seja, de 40% para 20%".[iv]

Assim, não prospera a tese de que as verbas como saldo de salário, 13º salário, férias vencidas e proporcionais podem ser pagas pela metade em razão da pandemia.

Mas no caso de contrato por prazo determinado, a indenização prevista no art. 479 da CLT pode ser paga pela metade (art. 502, I e II, CLT).[v]

Assim, de acordo com CARLA ROMAR[vi], as verbas rescisórias devidas na rescisão do contrato de trabalho por prazo indeterminado decorrente de força maior são as seguintes:

. saldo de salário;
. aviso prévio;
. 13º salário proporcional;
. férias vencidas, acrescidas de 1/3, se houver;
. férias proporcionais, acrescidas de 1/3;
. indenização de 20% dos depósitos do FGTS.

Na rescisão do contrato por prazo determinado por motivo de força maior, o empregado faz jus:

. saldo de salário;
. 13º salário proporcional;
. férias vencidas, acrescidas de 1/3, se houver;
indenização de 20% dos depósitos do FGTS;
. metade da indenização do art. 479 da CLT.

CARLOS HENRIQUE BEZERRA LEITE também entende que o empregador é obrigado a pagar o aviso prévio indenizado na rescisão por motivo de força maior dos contratos de trabalho por prazo indeterminado:

“Se o empregador não se constituir em empresa individual (qualquer que seja a modalidade de sociedade empresária) e a extinção não for resultante de força maior (CLT, arts. 501 a 504), o empregado terá direito a saldo de salários, férias vencidas e/ ou proporcionais, 13o salário proporcional, aviso prévio, FGTS (+ 40%) e indenização integral (se estável). Havendo força maior, o empregado terá os mesmos direitos acima, salvo com relação à indenização ou FGTS, os quais serão reduzidos à metade, nos termos do inciso II do art. 502 da CLT”.[vii]


E a estabilidade gestante?

No momento da dispensa, caso a trabalhadora esteja amparada pela estabilidade prevista no artigo 10, inciso II, alínea “b” do ADCT (estabilidade gestante), deve-se assegura o direito à indenização mesmo em caso de força maior.

Milita a favor da trabalhadora gestante a Súmula 244 do TST[viii], bem como a OJ nº 399 da SDI-1 do TST[ix] e a atual jurisprudência do TST no que concerne à estabilidade gestante diante do encerramento das atividades empresariais[x], eis que a estabilidade gestante visa à proteção da maternidade e do nascituro.

Garantia de emprego à gestante. Fechamento de empresa. Art. 10, inciso II, letra b, do ADCT. A em- pregada gestante faz jus à estabilidade de emprego conferida pelo art. 10, inciso II, alínea b, do ADCT, ainda que a despedida tenha ocorrido em virtude do fechamento da empresa, por se tratar, no caso, de uma garantia visando a não privar a gestante da conservação de um emprego que é vital para o nascituro, já que o salário percebido será utilizado em favor da subsistência e nutrição deste. (TST, j. 12-9-2001, RR 402.630, de 1997, 2a T., Rel. Min. Vantuil Abdala, DJ, 5-10-2001)

No mais, o empregador responde pelo risco da atividade empresarial, incluído o encerramento de suas atividades por força maior, o qual não pode ser transferido ao empregado, segundo disciplina o art. 2º da CLT.

De acordo com o entendimento do TST, só não subsistiria a estabilidade no caso do dirigente sindical (Súmula 369, IV) e no caso do membro da CIPA (Súmula 339, II).

Importante voltar a esclarecer que o art. 502, que possibilita a rescisão de contrato por motivo de força maior do empregado estável, se refere apenas à estabilidade decenal por tempo de trabalho (art. 492 da CLT), que já não existe mais desde a criação do FGTS.

Assim, verificando-se a impossibilidade de reintegração no emprego em vista da extinção da empresa, deve-se garantir, com base na última remuneração, de todos os salários vencidos e vincendos, bem como todas as verbas contratuais e rescisórias, tais como 13º salário, férias +1/3, aviso prévio e FGTS, equivalente a todo o período de estabilidade.


O FGTS e o Seguro Desemprego em caso de força maior

Como visto acima, ocorrendo motivo de força maior reconhecida pela Justiça do Trabalho, a multa de 40% do FGTS será reduzida para 20%, com fundamento no art. 18, parágrafo segundo da Lei do FGTS.

Sobre o saque do FGTS e do Seguro Desemprego, trabalhadores vem noticiando dificuldades para se obter os benefícios no período da pandemia, uma vez que a Caixa Econômica Federal alega que somente a rescisão por força maior com o reconhecimento judicial autorizaria o levantamento do fundo.

No entanto, mais recentemente, há notícias de que o Governo Federal irá facilitar o acesso aos benefícios mesmo sem os alvarás judiciais.[xi] Mas caso o trabalhador enfrente dificuldades para sacar o FGTS e o seguro desemprego, recomenda-se a procura e o auxílio de um advogado para ingressar com uma demanda judicial.

Já tratamos também da possibilidade o trabalhar sacar valor superior a um salário mínimo (R$1.045,00) durante a pandemia e do estado de calamidade pública (MP nº 946/2020). Caso você possua doença grave, esteja em grupo de risco e tenha alguma necessidade financeira pessoal na pandemia, CLIQUE AQUI.





[i] Para Marcus Cláudio Acquaviva, caso fortuito é o “acontecimento de ordem natural gerador de efeitos jurídicos, v. g., erupções vulcânicas, queda de raios, estiagem, avalancha e, no mesmo sentido, aluvião, forma originária de aquisição da propriedade imóvel, propiciada pelo acréscimo de uma porção de terra a outra, por fato natural. O caso fortuito não se confunde com a força maior, esta ocasionada por ato humano” (ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário jurídico brasileiro Acquaviva. 13. ed., p. 171.)

[ii] CONTRATO DE EMPREGO. RESCISÃO. FORÇA MAIOR. INEXISTÊNCIA. Inexistindo a extinção do estabelecimento em que o empregado trabalhava, tampouco da empresa, não há falar na rescisão do contrato por motivo de força maior (CLT, art. 502). Prevalece, assim, a dispensa imotivada (PROCESSO n.º 0000308-18.2017.5.10.0105 - RECURSO ORDINÁRIO (1009) RELATOR (A): Desembargador João Amilcar Silva e Souza Pavan)

RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA. RESCISÃO CONTRATUAL. FORÇA MAIOR. O art. 502, II, da CLT, estabelece que, em caso de extinção da empresa, ou de um de seus estabelecimentos, por motivo de força maior, é assegurado ao empregado não estável uma indenização correspondente à metade da que seria devida em caso de rescisão sem justa causa. Todavia, no caso vertente, não há como a empresa reclamada invocar em seu favor o disposto no artigo consolidado supracitado, eis que, mesmo diante do infortúnio ocorrido com o seu quadro societário, não houve a extinção da empresa, pois induvidoso que a mesma continuou em atividade empresarial gerenciada por terceiro (administrador judicial). Como bem pontuou a sentença de origem: "mantida a empresa por administração de terceiro, o contrato permaneceu incólume, cabendo ao empregador o risco do empreendimento, subsistindo todos os direitos trabalhistas." Recurso conhecido e improvido. (Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região TRT-7 - RECURSO ORDINÁRIO : RO 0001958-02.2013.5.07.0016)

INCÊNDIO OCORRIDO EM UNIDADE DE PRODUÇÃO DA EMPRESA. DISPENSA DO RECLAMANTE POR MOTIVO DE FORÇA MAIOR. NÃO OCORRÊNCIA. ÔNUS DA PROVA. DISPENSA SEM JUSTA CAUSA. A ocorrência de incêndio em unidade de produção da empresa e em cidade diversa da execução do contrato de trabalho não tem o condão de atingir o contrato de trabalho do reclamante, até porque de acordo com o princípio da alteridade, o empregador deve arcar com o ônus do empreendimento, não podendo impor ao empregado os riscos inerentes à atividade econômica. Não logrando a reclamada demonstrar o fato modificativo do direito, qual seja a ocorrência de força maior, é mantida a decisão quanto à modalidade rescisória de dispensa sem justa causa e à condenação ao pagamento das respectivas verbas. (PROCESSO nº 0000377-59.2017.5.10.0102 (EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO ORDINÁRIO (1009)) RELATOR: JUIZ ANTONIO UMBERTO DE SOUZA JÚNIOR)

DISPENSA POR FORÇA MAIOR E DIFERENÇA DE VERBAS RESCISÓRIAS. A despeito do esforço argumentativo da recorrente, não há como reconhecer a alegada ocorrência de força maior, pois como bem analisado pela Origem, houve continuidade das atividades que eram desenvolvidas no local anterior, onde houve o sinistro, na filial da ré (2ª reclamada), inclusive com os mesmos funcionários. Assim, nota-se que houve apenas paralisação temporária da fabricação de papel carbono, mas não extinção, mesmo porque a 1ª e 2ª reclamadas fazem parte do mesmo grupo econômico, com os mesmos sócios (PROCESSO nº: 0010903-49.2018.5.15.0090 (RO))

[iii] Almeida, Amador Paes de CLT comentada / Amador Paes de Almeida. Colaboração dos advogados André Luiz Paes de Almeida, Caroline Z. G. Paes de Almeida, Marina Batista S. L. Fernandes e Paulo Octávio Hueso Andersen – 9. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo : Saraiva, 2015. P. 390.

[v] Jorge Neto, Francisco Ferreira Direito do trabalho / Francisco Ferreira Jorge Neto, Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante. – 9. ed. – São Paulo: Atlas, 2019, p. 791

[vi] Romar, Carla Teresa Martins Direito do trabalho / Carla Teresa Martins Romar ; coordenador Pedro Lenza. – 4. ed. – São Paulo : Saraiva, 2017. P. 537

[vii] Leite, Carlos Henrique Bezerra Curso de direito do trabalho / Carlos Henrique Bezerra Leite. – 11. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2019., p. 636

[viii] SÚMULA 244 - GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA [...] I - O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (art. 10, II, "b" do ADCT). II - A garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade. III - A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado.

[ix] SDI-1 - OJ 399 - ESTABILIDADE PROVISÓRIA. AÇÃO TRABALHISTA AJUIZADA APÓS O TÉRMINO DO PERÍODO DE GARANTIA NO EMPREGO. ABUSO DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE AÇÃO. NÃO CONFIGURAÇÃO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. O ajuizamento de ação trabalhista após decorrido o período de garantia de emprego não configura abuso do exercício do direito de ação, pois este está submetido apenas ao prazo prescricional inscrito no art. 7º, XXIX, da CF/1988, sendo devida a indenização desde a dispensa até a data do término do período estabilitário.

[x] "RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 485, V, DO CPC. VIOLAÇÃO DO ART. 10, II, B, DO ADCT. INAPLICABILIDADE DO ÓBICE DA SÚMULA 83/TST. ESTABILIDADE GESTANTE. ENCERRAMENTEO DAS ATIVIDADES DA RECLAMADA. 1. Nos termos da Súmula 83/TST, não há que se falar em interpretação controvertida quando a rescisória estiver fundamentada em violação literal de preceito da Constituição Federal. 2. O empregador responde pelo risco empresarial - aí incluído o encerramento de suas atividades - o qual não pode ser transferido ao empregado, segundo disciplina do art. 2º da CLT. Assim, o direito da trabalhadora à estabilidade provisória decorrente do art. 10, II, b, do ADCT subsiste mesmo em face do encerramento da atividade empresarial, sendo-lhe devida, em tal circunstância, indenização substitutiva, relativa ao período remanescente. Recurso ordinário conhecido e provido." (TST, RO-118-51.2011.5.15.0000, SBDI-II, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 28/11/2014)

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. GESTANTE. GARANTIA PROVISÓRIA DE EMPREGO. EXTINÇÃO DO ESTABELECIMENTO. A extinção do estabelecimento não obsta a garantia provisória de emprego prevista no artigo 10, a, II, do ADCT, uma vez que essa visa à proteção da maternidade e do nascituro, não se cumprindo o desiderato da norma da garantia de emprego, ainda, o oferecimento de vaga em estabelecimento localizado em outro Estado da Federação, que dificulta sobremaneira a adaptação da empregada em condições especiais a essa nova realidade. Cabe acrescer que o permissivo constante do artigo 469, § 2º da CLT são anteriores à previsão constitucional da garantia, de forma que não se poderá aplicar em qualquer circunstância que revele prejuízos ao convívio familiar e social da gestante. Aliás, não é demais notar que o artigo 469, § 3º, da CLT é impertinente ao caso em análise, pois, diante do fechamento do estabelecimento no local de trabalho da reclamante, não há falar em transferência provisória. Agravo de instrumento desprovido". (TST - AIRR: 1687007120135170005, Relator: Emmanoel Pereira, Data de Julgamento: 04/11/2015, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 13/11/2015)