Imagine a seguinte situação: você se desliga de um trabalho e começa a procurar um novo emprego na sua área de formação, todavia, a antiga empresa vem prestando informações difamatórias sobre a sua passagem, a fim de dificultar a sua reinserção no mercado de trabalho.
De início, não é difícil concluir que caberia um processo trabalhista contra a sua ex-empregadora com um pedido de indenização por danos morais.
Essa ação deverá ser apresentada perante a Justiça do Trabalho através de um advogado trabalhista, pois embora a conduta da empresa tenha sido praticada após o término do vínculo empregatício, o Direito prevê a possibilidade de responsabilização pós-contratual, que nada mais é do que o dever do ex-empregador em agir com lealdade, honestidade e legalidade mesmo após o fim da relação.
E esse tipo de constrangimento não é raro de se acontecer, tendo em vista a quantidade de demandas judiciais com esse tipo de reclamação:
INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. INFORMAÇÃO DESABONADORA. CABIMENTO. A conduta do empregador de prestar informações desabonadoras do trabalhador, caracteriza ilícito passível de reparação, na medida em que sujeita o empregado a situações constrangedoras capazes, inclusive, de dificultar o reingresso no mercado de trabalho, caracterizando ofensa a dignidade da pessoa humana. (TRT-15 - ROT: 00108513020175150109 0010851-30.2017.5.15.0109, Relator: LUIZ ANTONIO LAZARIM, 9ª Câmara, Data de Publicação: 28/08/2020)
DANO MORAL. INFORMAÇÕES DESABONADORAS. A prestação de informações desabonadoras por parte do ex-empregador, visando a prejudicar a recolocação do trabalhador no mercado de trabalho, constitui ato ilícito do qual decorre dano moral in re ipsa. (TRT-4 - RO: 00206164720185040351, Data de Julgamento: 26/04/2019, 2ª Turma)
EX-EMPREGADOR. CONVERSAS COM TERCEIROS. INFORMAÇÕES DESABONADORAS SOBRE EX-EMPREGADO. DANO MORAL. CARACTERIZAÇÃO. A conduta do ex-empregador de emitir opiniões desabonadoras sobre ex-empregado a terceiros ofende a dignidade do trabalhador e dificulta sua recolocação no mercado de trabalho, caracterizando dano moral passível de reparação. (TRT18, ROR Sum - 0010602- 43.2021.5.18.0081, Rel. PAULO PIMENTA, 2ª TURMA, 15/07/2022)
Costumamos dizer que a prestação de informações desabonadoras visando prejudicar a recolocação do trabalhador no mercado é uma atitude que agride os Princípios Constitucionais da dignidade da pessoa humana, a valorização social do trabalho, a livre iniciativa e a busca do pleno emprego.
Se um empregado postar em suas redes sociais um vídeo em tom difamatório contra seu ex-patrão pode ser condenado a indenizar a empresa, a atitude contrária também deve receber o mesmo rigor.
É comum os recrutadores buscarem referência das antigas empresas que constam nos currículos, e quando o ex-empregador presta informações desabonadoras sobre o ex-empregado, atenta contra a honra, dignidade e boa fama do trabalhador, além de dificultar a sua reinserção no mercado de trabalho. A conduta acarreta danos morais e materiais, o que autoriza a responsabilização do causador dos danos.
Mas como provar?
Em um Estado Democrático, ninguém é condenado sem provas, correto?
Então como um trabalhador poderia provar que está sendo prejudicado se dificilmente uma empresa vai testemunhar contra a outra? Ainda mais se tratando de empresas concorrentes, possivelmente o juiz não daria validade para o depoimento do recrutador.
O TST, Tribunal Superior do Trabalho de Brasília, já considerou válida a gravação de uma conversa telefônica entre a esposa de um trabalhador e um representante do ex-empregador. Por meio dessa gravação, pôde-se concluir que a empresa passava referências negativas do ex-empregado a outros empregadores em potencial.[i]
Em uma decisão mais recente de 2024, o TST novamente deu validade à gravação feita por uma pessoa supostamente interessada em contratá-la.[ii]
A polêmica quanto ao tema consiste no argumento de que a prova seria ilícita, visto que obtida por meio uma conversa simulada e sem ciência da gravação pelo interlocutor.
Mas há diversos precedentes do TST no sentido de que a gravação telefônica realizada por pessoa próxima ao trabalhador que simula interesse na contratação da sua mão de obra, não obsta o reconhecimento da licitude e validade da prova, desde que não haja o induzimento às declarações desabonadoras, mas apenas perguntas genéricas de referências.
"CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA. GRAVAÇÃO REALIZADA PELA ESPOSA DORECLAMANTE DE CONVERSA TELEFÔNICA ENTRE ELA E O PREPOSTO DA RECLAMADA, QUEPRESTAVA INFORMAÇÕES SOBRE EX-EMPREGADOS. GRAVAÇÃO VISAVA COMPROVAR QUE ARECLAMADA FORNECIA INFORMAÇÕES NEGATIVAS A RESPEITO DO RECLAMANTE A EMPRESASINTERESSADAS EM CONTRATÁ-LO. IRRELEVANTE O FATO DE QUE O RECLAMANTE, BENEFICIÁRIODA GRAVAÇÃO, NÃO TER PARTICIPADO DA CONVERSA GRAVADA. EXIGÊNCIA INVIABILIZA ODIREITO DE DEFESA. PROVA LÍCITA. A discussão dos autos não se refere à interceptação telefônica, a qual é feita por terceiro que não participa da conversa, mas de "gravação feita por um dos interlocutores (ou com autorização deste), no caso, a esposa do autor", por meio da qual se comprovaria que a reclamada "estava repassando informações negativas a seu respeito[reclamante] para outras empresas onde estava prestando processo seletivo". O diálogo entre a esposa do reclamante e o preposto da reclamada, responsável por prestar informações sobre ex-empregados, também não se insere em causa legal de sigilo ou de reserva de conversação para ser inadmitido como prova. Se houvesse vedação, seria em favor do reclamante, sobre quem versava a conversa, e não da reclamada, como entendeu equivocadamente o Regional, ao concluir pela ilicitude da prova. Registrou o Tribunal a quo que a gravação não foi utilizada em proveito da esposa do reclamante (interlocutora que realizou a gravação), "e sim de terceiro (autor), que não participou da conversa", sendo diversa da hipótese decidida no RE-402.717/PR, na qual se concluiu pela licitude da gravação. Quanto à gravação utilizada como prova, a Suprema Corte, nos autos doRE-583.937-RJ, Tema nº 237 da Tabela de Repercussão Geral, em acórdão da relatoria do Exmo. Ministro Cezar Peluso (DJE 18/12/2009), reafirmou a jurisprudência daquela Corte (fundamentos expendidos na decisão proferida no RE-402.717/PR), fixando a tese: " é lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro ". Impõe ressaltar que, na fundamentação do acórdão do RE-402.717/PR (DJe 13/2/2009), cujos fundamentos foram ratificados em decisão com caráter vinculante (repercussão geral), o Supremo Tribunal Federal destacou que " já proclamou esta Corte, em hipótese em certo sentido até mais singular, onde se discutia a licitude do uso do teor de conversa telefônica por quem alegava ter sido vítima de crime cometido de um dos interlocutores, o qual desconhecia a gravação feita por terceiro com autorização do outro " (destacou-se), referindo-se à analogia entre " causa excludente de injuridicidade da ação " e " legítima defesa ", adotada no acórdão proferido no HC nº 74.678 (DJ15/8/97), relatado pelo Exmo. Ministro Moreira Alves. Nesse habeas corpus, discutia-se a " utilização de gravação feita por terceiro com autorização de um dos interlocutores sem o conhecimento do outro ", em que se decidiu pela licitude da prova, com fundamento em " causa excludente da antijuridicidade da ação ", em que a vítima de extorsão pretendia comprovar a prática do referido crime pelo interlocutor (fiscal de rendas), que não tinha conhecimento da gravação. In casu, o reclamante defendia seu direito de personalidade, pretendendo comprovar a prática de ato ilícito pela reclamada (prestação de informações desabonadoras contra ele). Salienta-se que, se o reclamante solicitasse à reclamada informações (como empregador interessado na sua contratação), "sua voz seria reconhecida pelo chefe e pelos colegas de trabalho", que não prestariam informações. Somente por meio de ligação telefônica feita por outra pessoa seria possível a produção da prova. Nesse contexto, a exigência de que o reclamante fosse um dos interlocutores da conversa gravada inviabilizaria a produção da prova do fato constitutivo do direito daquele e a pretendida proteção jurisdicional de direitos da personalidade. Por outro lado, o direito à privacidade da reclamada não é absoluto para cercear a defesa do reclamante, que também busca preservar sua intimidade, privacidade, honra e imagem. Ao contrário do entendimento adotado pelo Regional, a Suprema Corte não exige que a gravação seja utilizada, em Juízo, em proveito de quem a realizou para ser considerada lícita, mas que tenha sido realizada por um dos interlocutores da conversa, no caso, a esposa do reclamante. A situação se assemelha à destacada pelo Exmo. Ministro Moreira Alves ( HC nº 74.678), em que "seria uma aberração considerar como violação do direito à privacidade a gravação pela própria vítima, ou por ela autorizada , de atos criminosos, como o diálogo com sequestradores, estelionatários e todo tipo de achacadores" (destacou-se). Diante do exposto, a gravação de conversa por um dos interlocutores (esposa do reclamante), a despeito do desconhecimento pelo outro interlocutor (empregado da reclamada), a fim de repelir conduta ilícita do outro, é lícita, não se enquadrando na vedação constante do artigo 5º, incisos LVI e XII, da Constituição Federal, uma vez que constitui exercício regular do direito e de legítima defesa (artigo 5º, inciso LV). Recurso de revista conhecido e provido" (RR-1279-63.2012.5.09.0668, 2ª Turma, Relator Ministro José Roberto Freire Pimenta, DEJT 22/11/2019).